quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Espírito de Natal

Esqueci do blog... Vai aí pra reanimar ele um texto que eu fiz pro Natal do ano passado, mas que ainda é o que eu penso... Espero que a mensagem seja captada.

Espírito de Natal

“Em meados de novembro a cidade de Eldorado já se aclimata ao Natal. Murmúrios animados são ouvidos por toda parte, comentários nem sempre apreciativos sobre a decoração festiva dos locais públicos. É provável que a maioria dos comentários não sejam apreciativos. Mas os murmúrios certamente são de uma grande animação. O Natal! Época de dar e receber, paz e amor, presentes, presentes, presentes, Papai Noel, mais presentes, mais Papai Noel. Época de hipocrisia generalizada, que corrói os corações já muito abalados das pessoas.

O frenesi de compras, cujo clímax é nos dias 24 e 25 de dezembro (os humanos têm uma tendência perceptível a procrastinar), ocupa as mentes alienadas dos indivíduos. Descontos, promoções, ofertas, queimas de estoque, Papais Noéis descabelados e suados nos semáforos distribuindo panfletos. O comércio ferve para suportar a imensa demanda. As crianças fazem desenhos do bom velhinho, na escola, e esperam ansiosamente pelo dia 25. A imprensa questiona as crianças sobre o que pensam do dia. “Presentes”, dizem muitas. “O aniversário do Papai Noel”, dizem várias outras. “Como ele não está muito bem da cabeça, resolve dar presentes no seu próprio aniversário”. Bom pra criançada.

Nem se pensa em Jesus no Natal. Talvez um rápido pai-nosso na hora da ceia, feito por uma matriarca religiosa que logo não estará mais viva para atrasar a ceia, papagaiado pelos adultos bêbados e crianças esfomeadas que repetem as palavras sem nem sequer pensar no significado delas. O sentido comercial dominou a festa, assim como dominou os corações e as vidas dos moradores de Eldorado. A falsidade humana levada ao ápice, a alienação a níveis gritantes. Não há mais amor. Há uma mecanização do ser humano, uma reificação dele. O Natal é uma festa para comemorar a morte do ser humano.”


Rafael se escora na cadeira. Já são onze e meia da noite na redação do jornal “A informação”. Seu chefe, Cristiano, certamente não ficará satisfeito com o seu artigo. Talvez porque, apesar de ter lhe pedido uma dissertação breve sobre o espírito natalino em que a cidade está entrando, Cristiano pensava em receber algo um pouco mais positivo. “Paciência”, pensa Rafael. “Logo eu arrumo um emprego numa clínica ou hospital e sumo daqui’. Salvou seu texto e desligou o computador. Espreguiça-se e veste um agasalho cinza que trouxe de casa. Apaga as luzes da sala e entra no elevador. Pressiona o “T” e se escora no espelho trincado. Talvez uma ironia do destino acerca das máscaras corrosivas que quem se mira nesse espelho costuma usar.

Rafael Braga tem 28 anos de idade. Branco, cabelo liso e curto, estatura média. Olhos castanho-claros. Uma expressão que mescla o aborrecimento e a calma, numa harmonia quase perfeita que tende, talvez, para o lado do aborrecimento, se o observador for atento aos detalhes. Formado em Medicina, com todos os pré-requisitos preenchidos, procurava uma vaga para exercer sua profissão. Seu tio Luiz Braga, irmão de sua mãe, conseguiu-lhe um emprego no jornal local para que ele se sustentasse durante a procura. Não que Rafael tenha nascido para isso. Gostava de escrever, mas não gostava de hipocrisia. Escrever num jornal presume muita hipocrisia, o que o leva a fazer textos um pouco mais ácidos que o necessário. Os revisores praticamente reescreviam seus artigos antes de publicarem-nos. O dono do jornal certamente devia grandes favores a Luiz, pois se recusava a demitir o sobrinho dele.

Rafael entra em seu carro. É um Gol preto, presente de seu pai por ter passado no vestibular, tantos anos antes. Não que o médico se importe com a idade do carro que, para os padrões atuais, é um fóssil. Considerando que ele funciona, nada mais é importante. O trânsito, como sempre, está caótico. O fluxo de pessoas indo para os bares e boates é imenso, considerando que é uma sexta-feira. Motoristas mais alcoolizados e mais imprudentes que de costume lotam as ruas. Rafael presencia várias infrações de trânsito. É xingado por não ter furado um sinal vermelho por um homem que certamente não tem idade para dirigir e está atrasado para alguma festa. Rafael respira fundo. O rock que toca no rádio mantém suas emoções em seu devido lugar. Cantarolando a música do Red Hot Chili Peppers, segue caminho. Dá passagem a um senhor, numa rótula, que o faz um aceno de agradecimento. Sorri. Talvez o mundo não esteja assim tão perdido.

Para na garagem da sua casa. Pequena, modesta, aconchegante. Bem cuidada, sem dúvidas. Seu cachorro o recebe com festinhas animadas. Afaga o companheiro e liga a televisão. Nada de bom passando. Pra variar. Rafael frita um bife e come. Toma banho frio, por causa do calor. Coloca um pijama e se deita. Meia noite e vinte e cinco. Faz suas orações. Questiona a validade de suas orações. Vira para o lado e dorme.

“Ainda não se sabe o que causou o incêndio. O foco, dizem os bombeiros, é a casa do jornalista (formado em medicina) Rafael Braga. Possivelmente uma explosão de gás, à meia noite e quarenta dessa madrugada. O dono da casa sofreu queimaduras de terceiro grau e morreu antes mesmo de ser colocado na ambulância. O incidente também gerou a morte do cão do médico-jornalista, um labrador branco. Morreram ainda dois sem-teto que dormiam na porta da casa. A paróquia local fez uma missa dedicada à morte do médico (jornalista por hobby). O IBAMA de Eldorado fez um minuto de silêncio pelo cachorro agora há pouco. Mais notícias do incidente após um recadinho do nosso patrocinador!”

Rafael chora. O mundo está mesmo perdido. Dá um titubeante passo em direção à luz e some na eternidade.

22 comentários:

  1. Pow cara bom blog, depois volto pra ler com mais calma, mas o pouco que vi eu gostei, parabéns!

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  2. Como você disse, o mundo está mesmo perdido!!! Parabéns pelo blog. Abraço.

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  3. Muito bom o seu blog! Você mesmo que escreve tudo? Se for você escreve muito bem!

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  4. é isso aí. cara, dá segmento ao blog, não pare de escrever.
    Abraço

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  5. Não quero ler/ouvir nada sobre Natal esse ano.. O meu Natal foi o pior da história.. =(

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  6. mt bom o seu blog parabens faleu a pena passar por aqui parabens mt criativo as postagens


    http://planetahuumor.blogspot.com/

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  7. Caramba fazia tempo que eu não lia um blog com contéudo, digo, a maioria dos blogs tem layouts carregados e pouco contéudo ¬¬
    muito bom mesmo ;]

    me dá uma força?
    http://minaassassina.blogspot.com/2010/12/como-perder-um-homem-em-10-passos.html

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  8. É Rafael, o mundo está mesmo perdido, Sabe, existem Rafaéis pra ver a quantas anda o nosso mundo. Houve uma frase no texto que dizia:"Não há mais amor." Não há mais amor, Rafael, ninguém muda o mundo sozinho... Tudo tão perdido, tão disperso, significados, sentimentos... O grande problema é que eu já cansei de ouvir "começa por você" Eu já tentei tanto... ALiás acabei de escrever umas frases sobre isso, se quiser dar uma passada! (;

    E continue com o blog!

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  9. retribuindo tua visita e agradecendo o elogio que me fez. Muito obrigada!
    Gostei muito da forma como escreve, detalhadamente e sem medo dos excessos (gosto de textos completos).
    Volte sempre!

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  10. triste né... realmente animou meu fim de ano...

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  11. A história é mesmo linda, e muito verdadeira.
    Parabéns.

    #Beijos e Sucesso
    Vou te seguir seu Blog se puder segue o meu
    http://semfreiosblog.blogspot.com/

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  12. O MUNDO TA PERDIDOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!

    mas a vida é assim cara, "tem hora que o peixe não sabe nadar"

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  13. Nero, adooorei o blog, na real.
    Brigada pelo comentário no meu :D

    Passarei mais vezes por aqui, passe por lá também http://picodohimalaia.blogspot.com/

    beijão

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  14. O mundo realmente tá perdido mano, muito bom o texto ^^

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  15. Excelente abordagem do tema, parabens...
    E concordo, natal é uma data Hipocrita, pra alimentar o comenrcio e deixar as pessoas tristes.

    Vou seguir seu blog

    http://thenerdsarecool.blogspot.com/

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  16. Adorei seu blog

    e adorei seu texto muito legal..

    abraço

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  17. Parabéns pelo Post. você escreve muito bem. Eu discordo de você e do Leonardo (Comentário acima), o natal não é uma data hipócrita, o ser humano que transformou a comemoração do nascimento de Cristo em um negócio, ou seja, o ser humano que é hipócrita.

    Blog Compartilhando idéias
    Adm. Valdo
    http://valdopiske.blogspot.com

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  18. Olá! no momento estou apenas te seguindo.Prometo voltar em breve para comentar as suas postagens! , agradeceria se seguisse o meu , assim criamos um vínculo que facilite a divulgação de ambos os blogs, passa lá?
    http://medicinepractises.blogspot.com/

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  19. fala verdae natal so tem uma coisas de bom sei la o que acho so porser natal e bom mais pra mim nao tem nada de diferente

    http://planetahuumor.blogspot.com/

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  20. Muito bom seu post sobre o Natal! O texto mesmo possuindo um ano ficou muito bom e achei legal a ideia de aproveitá-lo para o post! =)

    Grande abraço!

    http://neowellblog.wordpress.com/

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